O Poeta Paulo Mourão

Essa entrevista foi feita com o músico Paulo Mourão, após um bate papo agradável em que ele começou com humildade "sou um velho jornalista Quel..." Eu que já tinha visto muitas de suas canções no youtube não me convenci de que ele era apenas um velho jornalista.

Mais um dedim de prosa e ele começou a poetizar "Meu coração é um canteiro de canções. Nasci assim. Por sobrevivência me desviei do caminho." E foi com a mesma nobreza de palavras e sentimentos que ele concedeu-me a entrevista abaixo, que publico hoje em 25 de janeiro de 2014, data em que ele completa 59 anos.

Uma história de um ser humano comum que viveu e trabalhou. Poderia estar aposentado agora, sem fazer nada, em casa, vendo TV e descansando. Mas ele escolheu algo melhor: Ser feliz.

Porque nunca é tarde para ser feliz.
 
Parabéns Paulo Mourão!


Como você começou no jornalismo?

Minha querida Raquel Rocha entrei no jornalismo pela porta da frente: a da indignação! A da revolta com o que via. Sempre lí muito. Em 1968 fui trabalhar como office - boy do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de MInas Gerais. Eu tinha 13 anos e desde o oito ouvia histórias sobre vizinhos presos, torturados. Também de irmãos de amigos, todos estudantes. Um parêntesis: o filho do maior torturador do DOPS de MG, era meu amigo desde os seis anos. Então, conheci os dois lados e optei pelo da Justiça e da Indignação. No tempo do sindicato conheci grandes nomes da Imprensa Mineira. Pensadores e pessoas comprometidas com o que jamais podemos negar: a Justiça, a Solidariedade, a Autodeterminação dos Povos, a Constituição, a Democracia, a repulsa a covardia, a tortura, a fome e a desigualdade. Assim entrei no Jornalismo, pela porta da frente. Assisiti e atravessei por várias vezes as manifestações dos estudantes da Faculdade de Direito da UFMG, que ainda fica ao lado da sede do Sindicato do Jornalistas, sendo duramente reprimidas pela Ditadura nos anos de 1968 e 1969.
Outro ponto importante: meu pai, funcionário do Minstério da Agricultura desde 1960, foi transferido para o SNI - Serviço Nacional de Informação. Vi meu pai adoecer. No espaço de um ano ele emagreceu, perdeu a alegria, sentia dores horríveis. Desenvolveu uma úlcera e, em menos de dois anos, pediu aposentadoria. Anos mais tarde ele me contaria: "Queriam me transformar em dedo-duro, que me infiltrasse nas reuniões de sindicatos, entidades de classe e denunciasse as pessoas. Não sou homem de duas caras!". Vi meu pai sofrer muito! Mas ele deu a volta por cima, conseguiu criar a família, nos ensinou o valor da DIGNIDADE, da Palavra, da ÉTICA. Tudo com muita humildade e sabedoria. Meu pai se chamava Arísio Mourão e foi um homem de bem. Coração limpo. Pessoa de respeito. O que usei no Jornalismo e uso na minha vida toda, aprendi em casa, com meu pai e minha mãe. A profissão é só uma continuação da vida da gente, As técnicas aprendemos na escola, na faculdade, nas leituras, na observação mas, o princípio de tudo "vem de berço". 


Fale um pouco da sua trajetória como jornalista.

02 - Minha trajetória no jornalismo foi muito bonita porém doída. Tive mais de 80 empregos em 38 anos de profissão. Defendi o que aprendi em casa porque o mundo nada mais é que a nossa casa. Se essa concepção foi equecida a culpa não é de quem se lembra dela. A casa da gente é uma casa onde deve reinar a paz, a alegria, o amor, o respeito, capacidade de querer bem a todos e de sermos capazes de nos colocarmos no lugar do outro. Estive nas redações dos maiores e menores jornais, rádios e tvs do País: Folha de São Paulo, Revista Isto é, Estado de Minas, Diário da Tarde, Última Hora, Liberal (Pará), A Crítica (Amazonas) Hoje em Dia (MG), Hoje Amapá, Folha de Tocantins, rádios Tiradentes, Globo, BH FM, Capital, Guarany, Inconfidência, Grande BH. Também nas tvs Alterosa (SBT), TV Minas (Estatal). Ocupei cargos públicos diversos também como Diretor de Comunicação das Câmaras Municipais de Belo Horizonte, também da Contagem (MG). Diretor de Controle Ambiental de BH (govenos Patrus Ananias e Célio de Castro). Sempre fui o mesmo em todas as funções. Atuei como pauteiro, rádio-escuta, repórter, redator, editor. Sempre trabalhei duro e seriamente. Esse comportamento me valeu muitos amigos e desafetos mas nunca ouvi de ninguém que tivesse atuado com desonestidade ou deslealdade com a verdade e os fatos.
Me sinto realizado no jornalismo. Eu o pratiquei como os melhores conceitos e sonhos. Nunca me deixei vencer pela hipocrisia, a descrença e o medo.


Qual a diferença do jornalismo há 20 anos atrás e do jornalismo hoje?
03 - O Jornalismo de hoje e o de ontem são os mesmos. Houve avanços na tecnologia mas os princípios continuam os mesmos. Quanto a questão Ética, preparo intelectual e a vivência dos profissionais cabem muitas reflelxões. O jornalista não pode se dar ao luxo da descrença, da omissão e da covardia. Ninguém pode escolher qualquer profissão apenas por intereses econômicos ou diletantismo. Um médico jamais pode se omitir de seu juramento de salvar vidas. O jornalista nuca pode fugir da verdade. O que vimos no passado e o que vemos hoje? Existem bons e maus profissionais em todos os tempos da Humanidade. Uns por despreparo, outros, por falta de caráter e escrúpulo. Não podemos ignorar que empresas de comunicação tem interesses na maioria das vezes inconfessáveis. Digamos assim: "o interesse público, na maioria das vezes, é privado"!

 Jornalismo de Opinião ou Imparcial ?

Referência na história da Imprensa, Cláudio Abramo, frisou não existir imparcialidade na imprensa. Lembrou que o repórter, tão logo começa a apurar os fatos, ja começa a julgar. Julga com os conceitos que trás consigo. Não há como fugir disso. E a única forma de ser injusto é se preparar muito para analisar as questões. Cláudio Abramo, pra quem não sabe, foi o responsável pela extinção do "nariz de cêra" que imperava imprensa brasileira. Respondendo de maneira sêca e objetiva afirmo: não há qualquer imparcialidade se ignorarmos o básico: verdade, justiça, ética, honestidade. Opinião? Só se for em defesa dessas premissas. O resto é balela, jogo de palavras, covardia e diletantismo.  


Como e quando começou na música?


A música sempre esteve comigo. Adulto percebi que desde pequeno compunha. Mas só tomei consciência disso adulto. Criança, brincava com primos e primas, todos da mesma idade e, de repente começava a cantar. Todo mundo reclamava: "isso não existe, ninguém conhece essa música"! - gritavam. Para mim era como se todos conhecessem. Não sabia que estava inventando! Mas tarde, com onze anos tive algumas aulas de violão como meu Tio Maurício. Depois comecei a andar com minhas pernas. A música sempre esteve dentro de minha casa. Minha mãe foi professora de iniciação musical para crianças, meu avô tocava violão, minha mãe e tias cantavam, meus tios tocavam violão, meu pai tocava gaita e caixinha de fósforo e, muito melhor, assobiava de forma maravilhosa. Na infância ouvi de tudo. Tenho na memória as mais finas lembranças porque ficaram no meu coração. Recordo-me de muito pequeno, com 4 anos, pedir a minha mãe para cantar "Disse o campônio a sua amada, querida idolatrada...." 


Como e quando decidiu viver da música?

Em 1968 a música passou a ser como sol de cada dia. Era Beatles, Rolling Stones, Bob Dylan, Birds, Caetano, Tonzé, Gal Costa, Gil, Caetano. Em Belo Horizonte, em meio as pressões da ditadura, que afetava a vida de todos, criamos nossa primeiras bandas. Foram muitas as formações até que em 1978 criei o Grupo Bandarra. Nas minhas composições trazia as influência mais diversas, Vivi três anos perambulando pelas estradas. Não fui hippie, fui estradeiro. Convivi com todo tipo de gente. Sai de Belo Horizonte de carona, inicialmente para ir até a Bahia, cortei todo o nordeste, cheguei ao norte, viajei os rios, Tocantins, Amazonas, Negro, Branco. Trabalhei de peão de trecho na Transamazônica, fui para a Venezuela, Guiana Inglesa, Suriname. Bebi nas fontes das mais genuínas e primitivas culturas. Aí, já tocando e me virando com a música. Na verdade, entre 1968 e 1981 construí uma trajetória.
Muito do que compus nessa época poderá ser visto no cd FLORES & FERIDAS, gravado com os músicos ISMERA ROCK, AYAM UBRÁIS BARCO e GLEISON BULLET, que conheci em Ilhéus, Bahia, já em 2011 e 2012. As gravações foram no Subsolo Stúdio, em Ipiaú, dirigido pelo Rodrigão, pessoa muito fina e competente. O cd tem previsão de lançamento para maio desse ano. Nêle: rock, blues, baladas e pop. Canções compostas entre os meus 19 e 26 anos. 

Você tem algum ídolo?

Como disse o Belchior, "Nossos ídolos ainda são os mesmos ...". A verdade é que ídolo é coisa da juventude. Hoje, aos 59 anos, "boto reparo" em muita gente. Digamos que, atualmente, destaque apenas Lenine e Paulinho Moska, dá moçada, digamos, mais "Nova"! Tenho muito apreço pela Margareth Menezes que, além de ser uma tremenda intérprete, é dona de uma generosidade e humildade própria dos Grandes Artistas. Ela inclusive, me deu a alegria de cantar comigo, uma de minhas canções (Rio do Tempo) no cd Sete Segredos, gravado em parceria com o compositor baiano, Sérgio di Ramos, em 2012. Meu coração é povoado de cantores, canções e compositores. Cada um para um momento mágico da vida! Música pra mim é encantamento.

E a sua obra?

Bom, tenho cinco cds e um DVD,lançados. Apresentações por todo o País. Tenho algumas premiações de festivais, um deles de cunho nacional, a Segunda Mostra Symgenta de Música Instrumental de Viola. (2006) Teatro Alfa - São Paulo. Participações diversas em programas de rádio e tvs por todo o Brasil. Já abri show de Almir Satter, Belchior, Mutantes, Fagner. Já perdi a conta. A sorte ainda não me sorriu em termos de emplacar um sucesso mas o tempo é nosso amigo e tudo pode acontecer.
Pequeno adendo: entre 1981 e 1996 fiquei longe da música. Só ouvia rádio e radiola. Se via um músico, corria, atravessava a rua! Larguei tudo e fiquei apenas no jornalismo. Tinha família para criar, aluguel, empregada, colégio de filhos, alimentação. Precisava de um trabalho que garantisse renda sem a instabilidade da música. Só quando minhas filhas entraram na faculdade voltei a tocar.
Em 1998 lancei meu primeiro cd - "Minas é Gerais", em 2000, "Grande Viagem de Luz", em 2003, "Os Caboclos das Matas", em 2007, "Brilhantes Pedras Finas", em 2013, "Sete Segredos". Pra maio desse ano de 2014 lanço "FLORES & FERIDAS". A vida é uma grande estrada e meu coração um canteiro de canções. Parte de meu trabalho pode ser observado também no DVD "Janelas Brasil" que lancei em 2013.
Pra quem não conhece o que faço há vários vídeos disponíveis no youtube. Passeio por nossas raízes culturais, canto o que há de mais primitivo. Brinco também com o que defino como "Pseudo-clássico" e pela MPB. Em síntese, sou sincero no meu trabalho, nada é forçado ou gratuito. Só canto e toco o que sinto. Música é emoção e o artista tem que emocionar. Tem que mexer com o sentimento das pessoas. Isso pode acontecer provocando alegria, reflexão, conscientizando. Música só não pode ser estúpida, inócua e nem forçada!


Como é seu processo de criação?

Meu trabalho com a arte não é meu. Nunca sentei pra escrever uma letra, nunca fiquei remexendo na viola pra fazer uma canção. Todas as músicas e melodias ficam guardadas no coração.  Existe um "canal divino" e a música vem por ele. Nunca anotei uma letra e nunca fiz partitura. O que tem que vir, vem. E o que tem que ficar, fica!  Eu canto assim: "Meu dom quem me deu foi Deus. Ganhei por merecimento. Eu canto é com alegria, pra trazer bom sentimento ..." Tenho algumas composições em parceria, são poucas, muito poucas. Alguns parceiros reclamam, acham que estou de má vontade, mas não se trata disso, meu processo de composição é único, daí a dificuldade de trabalhar em conjunto. A "peneira é muito fina", quem tem, tem! Quem num tem, ...!!!!

Das músicas que compôs, qual sua preferida?
 Música é igual filho, a gente não prefere um, ama a todos!
"Passarinho da Pena Branca" é uma de minhas canções mais conhecidas. Ela diz; "Passarinho da Pena Branca, traz pra mim toda esperança. Passarinho da Pena Verde, benze a criança na rêde, Passarinho da Pena Amarela, canta uma canção pra ela ...". (Está disponível no youtube).
Inaiá é outra canção que o povo tem gostado muito. Está no cd Sete Segredos, é uma canção de amor; "Quando eu te vi assim, te pedi a Deus pra mim, você chegou tão linda, céu aberto e mar azul. você chegou tão linda, mar aberto e céu azul". Foi composta para Ianiá, uma índia Tupinambá com quem vivi no ano de 2012.
"Grande Vigem de Luz" canção que deu título ao meu terceiro cd, também é muito pedida. Trata-se da despedida de uma grande amiga que fez a passagem repentinamente, vítima de aneurisma, ainda muito jovem. "Vai com Deus, companheira, pra grande viagem de luz. Vai sem medo, não há tormento, estrela do firmamento. Sereno da madrugada, ôh ave luz da alvorada, flor da manhã orvalhada, amiga, irmã, tão amada".(Também disponível no youtube)
Pra encurtar a conversa, porque senão vou ficar escrevendo letras e mais letras, vou disponibilizar hoje, dia 25 de janeiro, uma das canções do meu novo cd, FLORES & FERIDAS, que se chama "Estrela Morta". Trata-se de um blues composto em 1975. A gravação tem minha voz, a guitarra de Ismera Rock, a batera de Gleison Bullet e o baixo de Ayam Ubráis Barco. A moçada baiana me fez remexer no velho baú do coração. Não é por nada, hoje completo 59 anos. É um presente que dou a todos. Um velho blues de um rapaz louco e apaixonado!!!!

E os planos para o futuro?

São muitos. Esse ano de 2014 tenho uma série de shows encaminhados. Tanto de trabalhos novos quanto envolvendo velhas canções. No primeiro semestre passo uma temporada em Santa Catarina. Em Minas Gerais, alguns projetos com SESC. Enfim, o brasil só funciona depois do carnaval, então, aguardo. Ao mesmo tempo preparo novo show com a cantora mineira Adriana Lopes. Para maio, lançamento do cd, FLORES & FERIDAS com uma série de apresentações inicialmente em MInas e posteriormente na Bahia. E vamos que vamos.
Eu costumo dizer que minha viola tem magia. Foi pra Bahia, desceu o São Francisco, deu um risco bonito no azul mais profundo do infinito, no mar foi se banhar. Minha viola é benzida e rezada coma força e a bondade de Iemanjá!
Por fim, minha querida, você me pergunta se sou feliz com o que faço. Sim, sou feliz! A questão é quando a gente descobre o Darma. Tenho uma missão: cantar. Beijo grande pra você e abraço pra todos os leitores. Tudo de bom minha irmã!




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